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Em 1980, Erasmo Carlos (1941-2022) conseguiu o que, na época, parecia impossível: reunir grandes nomes da MPB para interpretar, com ele, canções que escrevera a quatro mãos com o rei Roberto Carlos. O resultado desta “ousada aventura” foi o LP Erasmo Carlos convida…, abrigando artistas que, apesar das diferentes trajetórias, surgiram junto com ele na década de 1960, formando um expressivo cenário da música popular brasileira daquele momento: os companheiros de Jovem Guarda Roberto e Wanderléa, os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa, os amigos da Tijuca Tim Maia e Jorge Ben, Rita Lee e Nara Leão, além dos novatos grupos A cor do som e As Frenéticas, surgidos no final dos anos 1970. 27 anos depois, em 2007, Erasmo repetiu a dose e promoveu novos encontros em Erasmo Carlos convida – volume 2. Lançado pela Indie Records / Warner, o álbum repetia a mesma fórmula que fez do primeiro volume um clássico: o Tremendão, na época com 66 anos, reinventou a própria obra – em duetos que desconstroem a aura de big band dos arranjos presentes na interpretação do amigo Roberto Carlos, deixando as canções mais descontraídas, uma marca de seu trabalho como cantor. Mas com uma pequena diferença: se em 1980 a maior parte dos convidados eram seus contemporâneos de geração, desta vez Erasmo recebia em estúdio músicos que foram apresentados ao grande público anos depois daquele primeiro volume, como Kid Abelha, Marisa Monte, Zeca Pagodinho, Skank e Lulu Santos.   E já que estamos falando nele, é com Lulu que os trabalhos deste volume 2 são abertos, com a releitura de Coqueiro verde, samba-rock da safra de Erasmo. Lulu Santos – que já havia contado com a participação de Erasmo Carlos em seu disco Tudo Azul (1984) na faixa Ronca, ronca – retribui a visita na divertida narrativa composta de referências do início da década de 1970, como o jornal O Pasquim, a atriz Leila Diniz e Sandra Sayonara Saião Lobato Esteves, a Narinha, na época esposa de Erasmo e mãe de seus três filhos. O convidado seguinte é Chico Buarque que, junto com Erasmo, transformou a balada Olha (1975) em uma carioquíssima new bossa nova. Na época, a balada serviu de pano de fundo para o romance dos personagens de Fábio Assunção e Alessandra Negrini na novela Paraíso Tropical. Com os mineiros do Skank, Erasmo recuperou a esquecida A banda dos contentes, composição pouco conhecida que dava nome ao seu LP de 1976. Marisa Monte – que já havia dividido os vocais com Erasmo em Mais um na multidão, faixa do CD Pra falar de amor, lançado por ele em 2001 – trazia a mesma doçura de Amor, I Love You para a igualmente doce Não quero ver você triste (1963), que aqui ressurge com a (rara) letra, completa.
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A contracapa do CD
Adriana Calcanhotto, que, a exemplo de Marisa também participou de outro álbum de Erasmo (interpretando Do fundo do meu coração, em 1996), desta vez revivia com ele o rock Ilegal, Imoral ou engorda, que abria o LP de Roberto Carlos em 1976. Destaque para a saudação feita por Erasmo no fim da canção, referindo-se a cantora como “Partimpim”, pseudônimo adotado por ela a partir de 2004 em uma série de discos com temática infanto-juvenil. Alçados ao gosto popular em meados da década de 1970, o alagoano Djavan e a baiana Simone faziam bonito em suas participações. Ele em De tanto amor (1971), gravada no mesmo ano por Claudette Soares e por Roberto; Ela com delicadeza e refinamento os versos de Preciso chamar sua atenção, tema do filme Roberto Carlos e o Diamante cor de rosa, de 1969. Uma das grandes surpresas de Erasmo Carlos convida – Volume 2 era a participação de Zeca Pagodinho, que levou a quase brega Cama e mesa para o seu universo, sem deixar nenhum vestígio da versão original, que abria o lado B do tradicional disco de Roberto Carlos em 1981. Outra surpresa é a voz do hermano Rodrigo Amarante, que se funde de forma surpreendente com o timbre de Erasmo Carlos em Sábado morto (do LP Sonhos e memórias – 1941/1972). O CD contava também com participações de Kid Abelha (em O portão, 1974) e do Os Cariocas – em Pão de açúcar, canção lançada por Erasmo em seu disco de 1982 – voltando sob fortes influências do drum ‘n’ bass, além das vozes do lendário grupo. E, finalizando a segunda etapa de encontros com chave de ouro, Milton Nascimento fez uma bela transformação na já cansada Emoções (1981) que, nesta versão, em nada lembra os arranjos do maestro Eduardo Lages: a interpretação de Milton com Erasmo trouxe novo fôlego aos versos “se chorei ou se sorri / o importante é que emoções eu vivi…” .
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A exemplo do primeiro volume – que, na contracapa, trazia uma carta manuscrita de Erasmo, falando das alegrias em reunir amigos em torno de uma ideia quase impossível de ser concretizada – e dedicando aquele LP à sua Mãe – neste Convida – Volume II o eterno Tremendão dedicava o CD ao seu amigo de fé, dizendo: “Roberto: Ofereço este disco pra você, parceiro e irmão querido, que comigo deu vida a tantas canções. Nossos amigos Milton, Marisa, Skank, Chico, Lulu, Simone, Zeca, Adriana, Cariocas, Djavan, Kid Abelha e Hermanos juntaram suas emoções às nossas para que a festa fosse de todos… timtim!” Quando lançou o primeiro “Convida…”, Erasmo Carlos foi pioneiro em um modelo que se tornaria uma prática comum da indústria fonográfica anos mais tarde. E, ao reunir uma nova legião de músicos (e amigos) reafirmou a sua importância na história da música brasileira, como compositor, como intérprete e, sobretudo, como forte influência nas carreiras de todos os convidados dos dois álbuns – e também na trajetória de outros não presentes. Uma unanimidade, pelo talento, pela postura e pela simpatia, entre outros fatores, Erasmo Carlos merece sempre todos os aplausos.

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